eu não sou uma pessoa boa. não mesmo. eu julgo, eu comparo, eu especulo, eu fecho
gestalts... não sei se todo mundo é assim, mas a impressão que me passa é que as pessoas não costumam se assumir, ou tentam ser aquilo o que os outros querem que elas sejam.
geralmente, sucumbimos a isso na adolescência (querer não ser, independente do que se sinta, também é dar satisfação da sua vida para os outros), mas há pessoas que são assim pra sempre: passam tanto tempo tentando agradar aos outros que se põem em último lugar.
esse prelúdio foi um pouco para falar que nunca presenciei ninguém se expressar tão crua e despidamente como nas cartas de Charlie (pseudônimo), o protagonista desta história. o livro é todo contado por meio dos relatos dele para alguém que ele não conhece e que não tem o seu endereço, para responder de volta.
Charlie tem 15 anos e está passando por uma fase realmente difícil: vai começar o ensino médio, o irmão mais velho está indo embora, o melhor amigo dele se matou no verão anterior e ele não sabe muito bem como lidar com tudo sozinho.
mas quem sabe? quem tem as respostas, com essa idade?
olhando pra trás, acho que o ano em que fiz 15 foi um dos piores da minha vida... nossa, como eu era babaca (mais do que sou hoje, acreditem!)! eu era
blasée, não sabia como me comportar no mundo novo que estava acontecendo, extremamente impaciente e autocentrada, e tinha muita raiva dos modelos
prêt-à-porter que eram considerados válidos nos círculos sociais onde andava.
por um tempo, juro, eu quis caber naquilo tudo. até perder a paciência e ligar o foda-se!
no final deste ano, eu tinha conseguido a proeza de ter ficado em recuperação em todas as matérias, exceto inglês. e a que quase me reprovou foi literatura... mas esses tenebrosos meses me prepararam para o que sou hoje e, já indo para os 16 (amém!), comecei o meu relacionamento mais duradouro e gratificante: com os livros.
tive um professor maravilhoso, assumidamente gay (coisa rara, nos early 90's), que chegou quebrando com os paradigmas sacais de ler por obrigação. na sua primeira aula, foi o único que não falou de vestibular ou de obrigações de provas. ele contou, com os olhos brilhando, os livros que mais o tinham marcado na vida, e começou a citar as partes mais interessantes deles.
dos 3 que mais me marcaram da lista pessoal do professor, tinha um na estante de casa:
O Perfume, de
Patrick Süskind. resolvi pegá-lo numa tarde, mas quem me pegou, de fato, foi ele. demorei 2 semanas para terminá-lo, pois lia devagar e me deliciava com a loucura carente e megalomaníaca de
Grenouille.
dali em diante, comecei a ler tudo o que me parecesse diferente (inclusive grandes clássicos, que não são clássicos por acaso). nisso, Charlie e eu nos aproximamos. ele devorava os livros que Bill, seu professor, indicava, além da lista obrigatória.
Charlie é apenas 2 anos mais velho que eu, e suas referências comportamentais, musicais e de tv me são muito fortes e significativas (talvez por isso, tenha devorado a sua história em menos de 24 horas).
a geração de hoje não tem como valorizar uma fita de músicas favoritas, por exemplo. o trabalho que dava pra fazer isso e a satisfação ao ter quase uma obra de arte personalizada nas mãos...
mixtapes eram tão pessoais que algumas minhas nunca foram emprestadas ou ouvidas por ninguém, além de mim.
se eu conhecesse Charlie, teria uma relação extrema com ele: ou o adoraria ou o odiaria, mas, por mais que ele, em alguns momentos, se torne/ache invisível, ele não me passaria despercebido.
porém, como eu disse no começo desse texto, eu o julgaria. muito. porque ele é ainda mais complexo e atarantado do que se é, aos 15.
Charlie não é linear (não acho que ninguém o seja), e o melhor: não tenta sê-lo. ele se afunda no seu emaranhado de ideias, ora desatento, ora vendo o que ninguém vê. acredito que talvez essa loucura, às vezes canalizada, nos atrairia.
como imagino estar claro, gostei muito do livro, especialmente por conta da visão de mundo do protagonista (que lembra muito um grande amigo meu, o
João Vilnei), e estou francamente curiosa para ver a sua adaptação para o cinema. nesse final de semana, se a minha agenda deixar, tentarei vê-lo.
UPDATE
vi o
filme no dia seguinte (8 de fevereiro). mesmo com o elenco excepcional (Logan Lerman, Emma Watson e Ezra Miller), o livro ainda foi infinitamente melhor do que a adaptação para o cinema.
talvez pela delicadeza do tema, no filme tudo fica mais raso...