fiquei contraditoriamente feliz quando, ao chegar ao cinema, pois peguei uma fila de mais de 10 minutos para comprar o ingresso (detalhe: faltava mais de 40 minutos para o filme começar!). sala espantosamente lotada (feito incrível, mesmo para o ganhador de melhor filme estrangeiro do Golden Globe)!
a história começa numa festa Ibiza style, com ritmo frenético, sem que se entenda ao certo o que está rolando, até finalmente uma criatura sair de dentro de um bolo e perceber-se que se trata do aniversário de alguém.
este alguém deve ser, obviamente, rico, importante e influente. então, somos apresentados à Jep Gambardella, hedonista, irônico e carismático, escritor de um único livro (O Aparato Humano).
mora em Roma (a sacada da sua casa dá para o Coliseu), é jornalista (faz entrevistas a artistas), gira ao ritmo acelerado das muitas festas para as quais é convidado, dorme apenas quando o sol já nasceu, ou como ele mesmo diz, quando os outros estão se levantando.
um certo mal estar o acompanhou por fazer mais um ano (65, especificamente), mas ele tentava não dar muita atenção a isso, mantendo a sua "rotina". mas a notícia da morte de um grande amor do passado tirou-lhe o chão.
alguns filmes têm o poder de me fazer entrar na tela, esquecer-me de que estou na cadeira e de só me devolver no final, quando olho ao redor, espantada, e percebo que estava em transe. mas A Grande Beleza não é destes (pelo menos, para mim)... ele fez com que eu acompanhasse o questionamento do protagonista, também questionando a minha própria vida e as minhas próprias escolhas.
com o desenrolar da trama, fica claro que ele é um escritor frustrado, que menospreza o trabalho que faz, mas não tenta, de fato, escrever uma segunda obra -- nesta altura, não fica claro se tem medo de não conseguir escrever algo à altura da primeira, ou se está meramente esperando o insight aparecer.
neste meio tempo, apesar da sua visão blasée e sarcástica do mundo, há um fio de esperança, tênue e discreto, por trás.
quem não se identificaria quando ele decidiu que já tinha idade suficiente para não ter que fazer o que não quer? quem não se emocionaria com o seu olhar faminto e entregue às obras de arte que o rodeiam?
Henri Bergson, um dos expoentes no estudo sobre humor, explica que entre nós e a natureza, melhor, entre nós e nossa própria consciência, um véu se interpõe, véu espesso para o comum dos homens, leve véu, quase transparente, para o artista e para o poeta.
o véu, para Jep, é quase inexistente. mas ele escolheu usar uma venda.
porém a sua epifania vem de uma sucessão de circunstâncias inusitadas, que passam pela despedida de um grande amigo e por um truque de desaparecimento de uma girafa, culminando em uma revoada de flamingos... assim, não há venda que resista!
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